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sexta-feira, 7 de maio de 2010

Renovação


Saudações, leitores do Caçador de Mistérios!
Creio que vocês já devem ter lido, escutado ou conhecido de uma outra forma a famosa parábola da Renovação da Águia. Nas entrevistas de emprego elas são campeãs, nas bocas de candidatos às vagas de emprego. Tão manjadas que os gerentes já sabem até o que cada aspirante vai dizer.

Neste caso, a tal história da águia surge quando o surpevisor da entrevista de emprego pergunta aos candidatos qual o seu animal preferido e o porquê. As respostas são quase unânimes, entre cães, gatos e...águias, onde além de "possuirem uma visão impressionante a ponto de enxergar seu objetivo nas alturas, passa por uma renovação onde saem vitoriosas entre a vida e a morte". Típico, não? Então, leitor, depois de ler esta matéria, escolha outro bicho para apresentar de forma criativa!

Será que a Parábola da Renovação é real? Ou mais uma lenda da internet, mesmo sendo uma história inocente? Entra em ação o Caçador de Mistérios!

Segue uma das versões da história, sem correções ou edições:
"Assim como a águia, o ser humano precisa passar por um lento e doloroso processo de renovação para adquirir mais sabedoria e experiência.

A águia é a ave que possui a maior longevidade da espécie. A beleza do seu vôo é sempre admirada. Chega a viver 70 anos. Mas para chegar a essa idade, aos 40 anos ela tem que tomar uma séria e difícil decisão. Afinal, nessa idade, ela vai se encontrar na seguinte situação:

1 - As unhas estão compridas e flexíveis. Por isso, não consegue agarrar as suas presas das quais se alimenta;
2 - O bico está alongado, pontiagudo e se curva;
3 - Apontando contra o peito estão as asas, envelhecidas e pesadas em função da grossura das penas, e voar já é tão difícil!

Então, a águia só tem duas alternativas:
1 - Morrer; ou
2 - Enfrentar um doloroso processo de renovação que irá durar 150 dias.

Assim como a águia, o ser humano precisa passar por um lento e doloroso processo de renovação para adquirir mais sabedoria e experiência.

Esse processo consiste em voar para o alto de uma montanha e se recolher em um ninho próximo a um paredão onde ela não necessite voar. Então, após encontrar esse lugar, a águia começa a bater com o bico em uma parede até conseguir arrancá-lo. Após arrancá-lo, espera nascer um novo bico, com o qual vai depois arrancar suas unhas.

Quando as novas unhas começam a nascer, ela passa a arrancar as velhas penas. E só após cinco meses sai para o famoso vôo de renovação e para viver mais 30 anos.

Assim como a águia, o ser humano passa por diversos momentos da vida em que precisa aprender a renascer. O processo de amadurecimento é lento e exige paciência. As mudanças são dolorosas. Mas necessárias e fundamentais para que o crescimento individual venha acompanhado de sabedoria e se transforme em experiência."


Bem, vamos ao nosso estudo!
Existem dois tipos de águia no Brasil: a do jogo do bicho e a águia-pescadora, pertencente à Família das Pandionidae, também conhecida como como águia-pesqueira, águia-do-mar, guincho ou sangual.

Segundo o CEMAVE do IBAMA, a águia-pescadora (Pandion haliaetus) vem do hemisfério Norte, periodicamente, nos visitar.

Essa historinha edificante não diz qual das águias, ave de rapina da Ordem dos Falconiformes, teria o suposto comportamento descrito: a águia-pescadora, que nos visita de vez em quando, a Aquila chrysaetos, a Aquila heliacasua ou a sua famosa prima Haliaeetus leucocephalus o símbolo dos Estados Unidos e também conhecida como águia careca (bald eagle).

Na verdade, nenhuma delas apresenta o comportamento descrito.
A mensagem com traços de auto-ajuda circula em mensagens, está presente em várias páginas da web e também possui versão em .pps. Segundo essa lenda, ao completar quarenta anos de idade as garras das águias ficam flexíveis e não mais conseguem segurar as presas. Em outro trecho, a historia informa:

"O bico alongado e pontiagudo se curva, apontando contra o peito.
As asas estão envelhecidas e pesadas em função da grossura das penas, e voar já é tão difícil!
Então, a águia só tem duas alternativas: morrer... ou ... enfrentar um dolorido processo de renovação que irá durar 150 dias."


A conclusão e a lição de vida que se retira desta parábola, em comparação com nossa vida é de que as águias frágeis, desprovidas de coragem, sucumbem ao envelhecimento. As mais corajosas, valentes e audaciosas tomam uma decisão radical: se refugiam no alto de uma montanha e iniciam um processo de automutilação para sobreviver.

Tudo bem, é verdade que algumas águias vivem cerca de quarenta anos, é verdade que depois de certa idade elas não mais conseguem segurar as presas nem voar com a mesma desenvoltura. No entanto, esse processo de automutilação para o prolongamento da vida não existe, jamais foi constatado pelos ornitólogos.
A automutilação em animais ocorre em casos de doença e em situações de estresse principalmente quando mantidos em cativeiro. Não há registros dessa ocorrência fantasiosa fruto da imaginação fértil de algum denodado criador de parábolas exemplares.

Uma outra observação é que a auto destruição não é uma situação normal em homens ou em animais, e de jeito nenhum pode ser tomada como símbolo de renovação. Dificilmente podemos crer em alguém que afirma uma história dessas confirmando como verídica. Esta pessoa logicamente não entende nada de natureza nem de símbolos...

Numa das versões que circulam pela rede foi acrescentado um detalhe: para explicar de que jeito a ave sobrevive nos 150 dias de retiro, explica-se, que "as outras aves do bando a alimentam, nesse período".

Isso é impossível: a águia é um animal solitário, não vive em bandos.

É preciso lembrar que as escolas têm como meta usar a internet na educação de crianças e adolescentes. Não deveríamos ensinar-lhes também a discernir entre verdade e mentira grosseira? Entre realidade e fantasia absurda? Esta é uma das metas do Caçador de Mistérios.


Inicialmente, para quem lê a história fica a primeira impressão de que o autor dessa pérola teria conhecimentos de ornitologia, o que não é verdade.
Existem muitos relatos de automutilação em seres humanos por razões de ordem religiosa. Através desses atos, pessoas esperam obter o perdão para os seus pecados e assegurar um lugar confortável no céu dos justos.
Além desse tipo de mutilação, existe, há milhares de anos, a automutilação ou a mutilação consentida em seres humanos. O uso de piercings, para não falar dos brincos, é coisa comum. E, por motivos religiosos, a circuncisão.

E mais.
Quase todas os dias, mulheres apresentam na televisão, com muito orgulho, ao vivo e em cores os generosos mililitros de silicone de suas exuberantes próteses.

A ornitóloga australiana Patricia Macwhirter busca informações sobre casos de automutilação em pássaros da família dos psitacídeos. Ela alerta para não confundir automutilação com doenças como a que ocasiona o crescimento anormal de penas e bicos. (Veja mais em Birding-aus Self-mutilation in Wild Birds.)

Mas então, qual a origem desta parábola?
Há uma passagem na Bíblia (Salmo 103, do versículo 3 ao 5) que diz o seguinte:

"Ele é quem perdoa todas as tuas iniqüidades;
(...)
quem farta de bens a tua velhice, de sorte que a tua mocidade se renova como a da águia".


A partir daí, vieram as mais diversas interpretações e a primeira delas teria sido de autoria de Santo Agostinho (354-430). Veja a explicação dessa passagem em vários idiomas:

A) (Latim): Hunc ordinem tenuit psalmus, ubi dicitur: Benedic, anima mea, Dominum et noli oblivisci omnes retributiones eius, qui propitius fit omnibus iniquitatibus tuis, qui sanat omnes languores tuos, qui redimit de corruptione vitam tuam, qut coronat te in miseratione et misericordia, qui satiat in bonis desiderium tuum. Et ne forte haec tanta bona huius vetustatis,hoc est, mortalitatis, deformitas desperaret: Renovabitur, inquit, sicut aquilae iuventus tua. (DE SPIRITU ET LITTERA LIBER UNUS);

B)(Francês): Qu’il renouvellera ce corps quand l’aigle sent son bec trop allongé par les années, pour laisser passage à la nourriture, il l’use sur la pierre et reprend par la nourriture de nouvelles forces; ainsi Dieu usera notre corps sur la pierre qui est le Christ et le revêtira de. jeunesse en le rassasiant des trois pains de l’Evangile ou de Dieu en trois personnes;

C)(Inglês - Versão 1): What Calvin here asserts of the eagle has as little foundation in truth as the Jewish fiction which he justly discards. Augustine’s explanation of the renewal of the youth of the eagle is equally fabulous. He affirms that in its old age its beak grows out so long, and becomes so incurvated, as to hinder it from taking food, thus endangering its life, but that it removes the excrescence, by striking its beak against a stone, so that it is enabled to take its ordinary food, and becomes young again. “There are,” says Dr Adam Clarke, “as many legends of the eagle among the ancient writers as there are in the Kalendar of some saints, and all equally true;

D)(Inglês - Versão 2): By a natural device, therefore, in order in some measure to restore its youth, the eagle is said to dash and strike against a rock the upper lip of its beak,
(...)
Thus also what hath here been said of the eagle: the eagle is not restored unto immortality, but we are unto eternal life; but the similitude is derived from hence, that the rock taketh away from us what hindereth us. Presume not therefore on thy strength: the firmness of the rock rubbeth off thy old age: for that Rock was Christ.(1) In Christ our youth shall be restored like that of the eagle;

E)(Italiano):Questo è l'ordine che segue il salmo dove si legge: Benedici il Signore, anima mia, non dimenticare tante sue retribuzioni. Egli perdona tutte le tue colpe, guarisce tutte le tue malattie, salva dalla fossa la tua vita, ti corona di grazia e di misericordia, egli sazia di beni i tuoi desideri 369. E perché, la deformità della presente condizione di questo vecchio regime, cioè della mortalità, non disperasse di beni così grandi, dice: Tu rinnovi come aquila la tua giovinezza. (SANT'AGOSTINO LO SPIRITO E LA LETTERA).

Como se vê, é lenda antiga. Há quem tome ao pé da letra as palavras da Bíblia, mas não há comprovação científica de tal suposta automutilação ou renovação.
Um conto que menciona a história da águia é "Brad Pitt e a Vaquita de San Antonio", que obteve o primeiro prêmio num concurso literário realizado na Argentina.

Conclusão: essa história não passa de uma lenda. Não há casos registrados de automutilação em aves com a finalidade de uma suposta "renovação".

Continuarei a pesquisar e trazer a informação até você, leitor, porque eu sou Luiz Ramos, o CAÇADOR DE MISTÉRIOS! Não se esqueça de votar no Caçador de Mistérios para o TOP BLOG 2010! Até mais!

Fontes:
CEMAVE do IBAMA
Seja uma nova Criatura em Cristo e Voa Alto
Birding-aus Self-mutilation in Wild Birds

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